Eremitas Sociais
RICHARD SIMONETTI
Na Europa Medieval disseminou-se o movimento de superação do pecado
com a renúncia ao convívio social.
Os eremitas (do grego eremia, deserto) escolhiam a solidão dos lugares ermos para cultivar os valores espirituais e vencer as tentações do mundo.
Há um problema em semelhante opção:
Ela contraria a natureza gregária do Homem.
Como está em "O Livro dos Espíritos", somos seres eminentemente sociais,
criados para conviver com semelhantes. Nosso próprio desenvolvimento intelectual, espiritual e moral depende desse contato.
O indivíduo que se isola perde o referencial sustentado pela convivência.
Tende a um comportamento desajustado, marcado por manias e esquisitices. Isto quando não resvala decididamente para perigosas fantasias.
Muitos eremitas, isolados da comunidade, eram tomados por perturba-ções,
dominados por estranhas idéias como a de que era preciso voltar à Natureza.
Para tanto, dispunham-se a pastar no campos, como se fossem muares, enquanto que outros flagelavam-se para dominar as tentações da carne.
Antão, que viveu nos séculos III e IV, um dos primeiros eremitas cristãos a fazer escola, houve por bem encerrar-se por quinze anos num túmulo abandonado,
alimentando-se a pão e água trazidos por um devoto, a pretexto de intermináveis combates espirituais com supostos demônios.
Semelhantes iniciativas, que conduziam à beatificação no pretérito, hoje sinalizariam a internação em hospital psiquiátrico.
Na atualidade lidamos com outro tipo de eremitas, bem mais numerosos e
problemáticos, compondo vasta parcela da população.
São aqueles que participam precariamente da vida social, apenas para satisfação de suas necessidades de subsistência, sem assumir compromissos e responsabilidades em favor de uma sociedade solidária, capaz de enfrentar e resolver os problemas que a afetam.
Podemos situar a pessoa que vive assim numa categoria especial:
Eremita urbano.
Alguém que se tranca numa caverna — seu lar.
Cerca-se de todo o conforto possível, como quem edifica um oásis solitário
em pleno deserto das misérias humanas, totalmente alheio aos seus compromissos com a sociedade.
Embora aprazível, trata-se de uma situação decididamente indesejável.
Os eremitas do passado, embora equivocados, buscavam Deus.
Os eremitas da atualidade reverenciam a Mamon, o deus pagão que representa os interesses materiais e as riquezas.
Buscam "resolver-se". O resto que se dane.
Negando a sua condição de seres sociais, fechados em si mesmos, os eremitas urbanos conseguem, não raro, seus propósitos.
Falta-lhes, todavia, o principal:
A paz — abençoado tempero da felicidade.
Impertinente intranqüilidade os incomoda, marcada por desajustes variados.
É natural.
Estão fora de ritmo, na sinfonia da Vida, distanciados das harmonias interiores que se sustentam, essencialmente, do empenho de servir.
É preciso deixar a ermida doméstica e buscar nossa integração na vida
social, participando de movimentos de solidariedade que preludiam a sociedade do futuro.
Uma abençoada sociedade em que todos se disponham a servir, fazendo
algo em favor do bem comum, conscientes de que quanto mais doarem suas horas,
seu trabalho, seus recursos materiais, mais felizes e equilibrados serão, contribuindo para a edificação do Reino de Deus.
Nele, como ensinava Jesus, o maior será sempre aquele que mais disposto
esteja a servir na vida social, furtando-se ao insulamento em eremitérios domésticos.
Fonte: http://www.universoespirita.org
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