Introdução:
Embora nos custe compreendê-lo, a destruição também se constituí lei da natureza, cumprindo um sábio desígnio providencial.
Sabemos que a vida orgânica é indispensável à evolução dos seres, e daí haver Deus estabelecido as leis de reprodução e de conservação com o fim de, por meio delas, assegurar o desenvolvimento do princípio inteligente que neles se elabora.
A Lei de destruição é por assim dizer, o complemento do processo evolutivo, visto ser preciso morrer para renascer e passar por milhares de metamorfoses, animando formas corporais gradativamente mais aperfeiçoadas, e é desse modo que, paralelamente, os seres vão passando por estados de consciência cada vez mais lúcidos, até atingir, na espécie humana, o reinado da Razão.
Destarte, em última análise, podemos dizer, com base no livro "A Gênese", que: "preciso é que tudo se destrua para renascer e se regenerar. Porque, o que chamais destruição não passa de uma transformação, que tem por fim a renovação e melhoria dos seres vivos."
A parte essencial dos seres – lembram os luminares da espiritualidade - não é o envoltório físico, mas o elemento anímico que o impulsiona, elemento esse que, sendo também imortal nos animais, retorna ao palco da vida terrena para a continuação de sua jornada progressiva, como ocorre com todas as criaturas de Deus.
Ä Destruição necessária e destruição abusiva:
"A destruição recíproca dos seres vivos é dentre as leis da Natureza, uma das que, à primeira vista, menos parecem conciliar-se com a bondade de Deus. Pergunta-se por que lhes criou Ele a necessidade de mutuamente se destruírem, para se alimentarem uns à custa dos outros.
Para aquele que enxerga apenas a matéria, que limita sua visão à vida presente, isto parece, com efeito, uma imperfeição na obra divina. É que em geral, os homens julgam a perfeição de Deus pelo seu ponto de vista; sua própria opinião é a medida de sua sabedoria, e pensam que Deus não poderia fazer melhor do que eles próprios o fazem. Com sua visão limitada, não lhes permite julgar o conjunto, não compreendem que, de um mal aparente, pode resultar um bem real. O conhecimento do princípio espiritual, considerado em sua verdadeira essência, e da grande lei de unidade, que constitui a harmonia da Criação, é o único que pode dar ao homem a chave desse mistério, e mostrar-lhe a sabedoria providencial e a harmonia, precisamente onde não via senão uma anomalia (s. f. Irregularidade; anormalidade; aberração; monstruosidade. (Do gr. anomalia.) e uma contradição.
Uma primeira utilidade, que se apresenta, desta destruição, utilidade puramente física, é verdade – é esta: os corpos orgânicos não se mantêm senão por meio de matérias orgânicas, sendo estas matérias as únicas que contêm os elementos nutritivos necessários à sua transformação. Como os corpos, instrumentos da ação do princípio inteligente, têm necessidade de ser incessantemente renovados, a Providência os faz servir para sua manutenção mútua; é por esse motivo que o corpo se nutre do corpo, mas o Espírito não é nem destruído, nem alterado; apenas se despoja de seu envoltório.
Há, além disso, considerações morais de ordem elevada.
É necessário a luta para o desenvolvimento do Espírito. Na luta é que ele exercita suas faculdades. O que ataca em busca do alimento e o que defende para conservar a vida usam da habilidade e inteligência, aumentando, em conseqüência, suas forças intelectuais. Um dos dois sucumbe; mas, em realidade, que foi o que o mais forte ou mais destro tirou ao mais fraco? A veste de carne, nada mais; ulteriormente (ulterior - adj. 2 gên. Que está, chega ou sucede depois; situado além; posterior; futuro. (Do lat. ulteriore.), o Espírito, que não morreu, tomará outra.
"Nos seres inferiores da criação, naqueles a quem ainda falta o senso moral, em os quais a inteligência ainda não substitui o instinto, a luta não pode ter por móvel senão a satisfação de uma necessidade material. Ora, uma das mais imperiosas dessas necessidades é a da alimentação. Eles, pois, lutam unicamente para viver, isto é, para fazer ou defender uma presa, visto que nenhum móvel mais elevado os poderia estimular. É nesse primeiro período que a alma se elabora e ensaia para a vida.
Sob outro prisma, ao se destruírem uns aos outros, pela necessidade de se alimentarem, os seres infra-humanos (infra - pref. Termo que significa abaixo, na parte inferior.) mantêm o equilíbrio na reprodução, impedindo-a de tornar-se excessiva, contribuindo, ainda, com seus despojos, para uma infinidade de aplicações úteis á Humanidade.
Restringindo o exame desta questão apenas ao procedimento do homem, que é o que mais nos interessa, aprendemos com a Doutrina Espírita que a matança de animais, bárbara sem dúvida, foi, é e será por mais algum tempo necessária aqui na Terra, devido às suas grosseiras condições de existência. À medida, porém, que os terrícolas (adj. e s. 2 gên. Diz-se da pessoa ou animal que habita na terra.) se depurem, sobrepondo o espírito à matéria, o uso de alimentação carnívora será cada vez menor, até desaparecer definitivamente, qual se verifica nos mundos mais adiantados que o nosso.
Aprendemos, mais, que em seu estado atual o homem só é escusado (da responsabilidade) dessa destruição na medida em que tenha de prover ao seu sustento e garantir a sua segurança. Fora disso, quando, por exemplo, se empenha em caçadas pelo simples prazer de destruir, ou em esportes mortíferos, como as touradas, o "tiro aos pombos", etc., terá que prestar contas a Deus por esse abuso, que revela, aliás, predominância dos maus instintos.
O temor da morte é um efeito da sabedoria da Providência e uma conseqüência do instinto de conservação comum a todos os viventes.
Assim é que, nos povos primitivos, o futuro é uma vaga intuição, mais tarde tornada simples esperança e, finalmente, uma certeza apenas atenuada por secreto apego à vida corporal.
À proporção que o homem compreende melhor a vida futura, o temor da morte diminui; uma vez esclarecida a sua missão terrena, aguarda-lhe o fim, calma, resignada e serenamente.
"Para libertar-se do temor da morte é mister (obs. lê-se mistér - s. m. urgente; necessário; aquilo que é forçoso. (Do lat. ministeriu.) poder encara-la sob o seu verdadeiro ponto de vista, isto é, ter penetrado pelo pensamento no mundo espiritual, fazendo dele uma idéia tão exata quanto possível, o que denota da parte do Espírito encarnado um tal ou qual desenvolvimento e aptidão para desprender-se da matéria.
No Espírito atrasado a vida material prevalece sobre a espiritual. Apegando-se às aparências, o homem não distingue a vida além do corpo, esteja embora na alma a vida real; aniquilado aquele, tudo se lhe afigura perdido, desesperado.
O temor da morte decorre, portanto, da noção insuficiente da vida futura, embora denote também a necessidade de viver e o receio da destruição total, igualmente o estimula secreto anseio pela sobrevivência da alma, velado pela incerteza.
Esse temor decresce, à proporção que a certeza aumenta, e desaparece quando esta é completa.
Ä Flagelos destruidores - Guerras:
Os flagelos destruidores são de dois tipos: os naturais e os provocados pelos homens. Na primeira linha dos flagelos destruidores, naturais e independentes do homem, devem ser colocados a peste, a fome, as inundações, as intempéries fatais às produções da terra. Não tem, porém, o homem encontrado na Ciência, nas obras de arte, no aperfeiçoamento da agricultura, nos afolhamentos (afolhar - v. tr. dir. Dividir (o terreno) em folhas ou porções, para alternar as culturas) e nas irrigações, no estudo das condições higiênicas, meios de impedir, ou, quando menos, de atenuar muitos desastres? Que não fará o homem pelo seu bem-estar material quando souber aliar o sentimento de verdadeira caridade para com os seus semelhantes?
Os flagelos destruidores, por um outro lado, proporcionam condições para que a humanidade possa progredir mais depressa.
O homem é levado à guerra pela predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e também, pelo transbordamento das paixões.
A providência torna necessária a guerra objetivando a liberdade e o progresso.
Quanto à Humanidade, sua história não é mais que um longo martirológio (s. m. Lista dos mártires com a narração de seu martírio. (Do gr. martyr+logos.) Através dos tempos, por cima dos séculos, rola a triste melopéia (s. f. Peça musical com que se acompanha uma recitação; toada; forma de declamação agradável ao ouvido. (Do gr. melopoeia.) dos sofrimentos humanos.
A dor segue todos os nossos passos; espreita-nos em todas as voltas do caminho. E diante desta esfinge que o fita com o seu olhar estranho, o homem faz a eterna pergunta: Por que existe a dor?
Fundamentalmente considerada, a dor é uma lei de equilíbrio e educação.
Neste sentido, os flagelos destruidores são permitidos por Deus para que a Humanidade possa "progredir mais depressa". Aliás, a palavra flagelo geralmente é interpretada como algo prejudicial, quando, na realidade, representa o meio pelo qual as transformações necessárias ao progresso humano se realizam mais rapidamente.
É bem verdade que existem outros processos, menos rigorosos, para fazerem os homens progredir e Deus os emprega todos os dias, pois deu a cada um os meios de progredir pelo conhecimento do bem e do mal. O homem, porém, não se aproveita desses meios. Necessário, portanto, que se faça sentir a sua fraqueza, vindo ele a responder pelo seu orgulho.
E com o abatimento do orgulho a Humanidade se transforma, como já se transformou noutras épocas, e cada transformação se assinala por uma crise que é, para o gênero humano, o que são, para os indivíduos, as crises de crescimento. Aquelas se tornam, muitas vezes, penosas, dolorosas, e arrebatam consigo as gerações e as instituições, mas são sempre seguidas de uma fase de progresso material e moral.
Quando os flagelos naturais, tais como cataclismos (s. m. Revolução geológica que modifica a superfície da terra. (Do gr. kataklysmos.), enchentes, fome, epidemias de doenças e de pragas em plantações, a seca, os terremotos e maremotos, as erupções vulcânicas, os tornados, ciclones, etc., se abatem sobre a humanidade, muitos se revoltam contra Deus, perdendo oportunidades valiosas de compreender o significado de tais acontecimentos.
A Lei de Causa e Efeito exerce sua influência inelutável (adj. 2 gên. Que não se pode evitar; contra que não se pode lutar; irresistível; invencível. (Do lat. ineluctabile.) não só sobre os homens, individualmente, como também sobre os grupos sociais.
Assim, por exemplo, quando uma família, nação ou raça busca algo que lhe traga maiores satisfações, esforça-se por melhorar suas condições de vida ou adota medidas que visem a acelerar o seu desenvolvimento, sem prejudicar ou fazer mal a outrem, está contribuindo, de alguma forma, para a evolução da Humanidade, e isto é bom. Receberá, então, novas e mais amplas oportunidades de trabalho e progresso, conduzindo os elementos que a constituem a níveis cada vez mais elevados.
Se, porém, procede ao contrário, mais cedo ou mais tarde sofrerá a perda de tudo aquilo que adquiriu injustamente, em circunstâncias mais ou menos trágicas e aflitivas, segundo o grau de malícia e crueldade que lhe tenha caracterizado as ações.
É assim que, mais tarde, em outras existências planetárias, são chamados a expiações coletivas ou individuais, sob a forma de flagelos destruidores.
Acontece, porém, que muitos flagelos resultam da imprevidência do homem. À medida que adquire conhecimentos e experiência, ele os vai podendo conjurar, isto é, prevenir, se lhes sabe pesquisar as causas. Contudo, entre os males que afligem a Humanidade, alguns há de caráter geral, que estão nos decretos da Providência e dos quais cada indivíduo recebe, mais ou menos, o contragolpe. A esses nada pode o homem opor, a não ser a submissão à vontade de Deus. Esses mesmos males, entretanto, ele muitas vezes os agrava pela sua negligência.
Enfrentado esses flagelos naturais (aqueles que independem de sua vontade), o homem é impulsionado por força da necessidade, a buscar soluções para se libertar do mal que o ataca. É por isso que a dor torna-se um processo, um meio de equilíbrio e educação, como assinalamos acima.
Mesmo as guerras, que nada mais representam do que a "a predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e transbordamento de paixões, geram a liberdade e o progresso da Humanidade".
Deus permite que haja a guerra e todas as suas funestas conseqüências, para que o homem, ao contacto com a dor, se liberte, por um lado, do seu passado de erros, e burile, por outro, as tendências más que ainda o fazem manter-se em atraso moral.
Ä Expressões de Crueldade:
O que impele o homem à guerra é a "predominância das paixões. No estado de barbárie, os povos um só direito conhecem - o do mais forte. Por isso é que, para tais povos, o estado de guerra é um estado normal. À medida que o homem progride, menos freqüente se torna a guerra, porque ele evita as causas, fazendo-a com humildade, quando a sente necessária".
O homem não tem culpa dos assassínios praticados durante a guerra, quando constrangido pela força; mas é culpado das crueldades que comete, sendo-lhe também levado em conta o sentimento de humanidade com que proceda.
O sentimento de crueldade é o instinto de destruição no que tem de pior, porquanto, se, algumas vezes, a destruição constitui uma necessidade, com a crueldade jamais se dá o mesmo. Ela resulta sempre de uma natureza má.
Ä Os Espólios da guerra:
Espólio – (s. m. Bens que ficam por morte de alguém; esbulho; despojo; espoliação. (Do lat. spoliu.)
"Porque é necessário que sucedam escândalos; mas aí daquele homem por quem venha o escândalo!"(Jesus – MT.18:7).
O pensamento do Celeste Amigo, retratado no texto epigrafado (epigrafar - v. tr. pred. e tr. dir. Pôr epígrafe em; intitular; inscrever; escrever como epígrafe.), prossegue sendo alvo para acuradas (adj. Feitas com grande cuidado e apuro; esmeradas.) meditações, sempre que se evidencia o problema do escândalo do mundo.
A ação que incita a guerra, por exemplo, assumindo sua expressão de crime contra a humanidade, é daquelas situações enormemente escandalosas, sem qualquer dúvida.
Não obstante possamos identificar escândalos de todos os tipos e em diversos níveis, aquele que a beligerância (s. f. Qualidade ou estado de beligerante. Beligerante: adj. 2 gên. Que está em guerra; que faz guerra. (Do lat. belligerante.) guerreira faz explodir é dos mais hediondos sobre a face do planeta.
Todos os esforços deverão ser empreendidos pelos seres humanos, para extinguir-se, em definitivo, a hidra (s. f. (mit.) ref. À Hidra de Lerna: Serpente de sete cabeças, morta por Hércules; (Do lat. hydra.) de goela esfomeada da guerra, seja por meio da diplomacia, que, hoje em dia, abençoa os entendimentos por meio do diálogo, seja através da educação popular, quando se fará ver às criaturas todos os inconvenientes de tais atrocidades, seja em razão do que for, numa fase em que a Humanidade deve exercitar a razão com todos os seus múltiplos componentes, trabalhando na esfera da paz.
As escolas, os templos, os lares, as empresas, laborarão para a paz, e, para isso, todas as baterias de providências estarão voltadas para a educação do indivíduo, de cujo cerne provêm todos os delitos, se ele está enfermo, tanto quanto advêm todas as luzes, à proporção em que avança para maior equilíbrio.
Ao pensar-se na guerra de extermínio, imagina-se que tudo estará concluído e solucionados os seus problemas, quando sejam assinados os tratados de tréguas nos pomposos gabinetes. Poucos dão-se conta dos desdobramentos da famigerada experiência, durante e após a sua ocorrência, sem cogitar-se dos tormentos que a antecedem.
Não morrem somente os que tombam nos campos de batalhas, ou os que são devorados por explosões grotescas de quaisquer tipos. Esfacelam-se, também, na pirambeira (s. f. (bras. do leste) Depressão do terreno; desbarrancado; despenhadeiro.) da morte, um número ilimitado de pais e de mães, que recebem objetos de uso pessoal e condecorações ou salários de ácidos dos seus filhos desaparecidos. Morrem esposas vencidas pela saudade e pela solidão, após receberem as documentações que honorificam (honorificar - v. tr. dir. Dar honras a; honrar; agraciar. (Do lat. honorificare.) seus companheiros desencarnados. Morrem na frustração ou na revolta, na mágoa ou no desejo de vingança contra a sociedade, multidões de filhos relegados à orfandade, tendo os nomes dos seus genitores glorificados no altar enregelado dos mausoléus dos heróis, que as pátrias lhes constroem, como se isto resolvesse o drama das dores morais insanáveis nos seres marcados pela guerra.
Quantos mutilados físicos passam a ostentar as deformidades que o endoidecido empreendimento lhes causou?
Quantos mutilados mentais, macerados (1. adj. Que sofreu maceração; mortificado.) por neuroses e psicoses de variada monta, agitam-se nos lares e nas ruas, espreitados (s. f. Vigiados; espionados.) pela definitiva loucura, raiando para os estados de danosa violência e de crimes hediondos, ou, ainda, para os chavascais (s. m. Terreno improdutivo, de má qualidade; bosque de espinheiros e outras plantas silvestres; (fig.) lugar imundo; pocilga; chiqueiro. (De chavasco.) do vício e do infortúnio?
Ao pensarmos sobre a mostruosidade que a guerra representa, apareça onde aparecer, apoiada no motivo que for, reflitamos nas mais amplas conseqüências dessa tragédia para a humanidade inteira
Não foi por acaso que o imbatível Herói da sepultura vazia conclamou-nos à paz, chegando a afirmar que os mansos herdariam a Terra e que os pacíficos seriam chamados filhos de Deus...
É certo que aquele que tem necessidade de resgates difíceis, resgatará em dificuldades... É compreensível que, quem deve às leis da consciência, pagará o devido preço... Entanto, ninguém deverá tornar-se o braço voluntário da Divina Justiça, nesse particular.
O Criador da Vida tem maneiras e canais para fazer com que cada um retorne às linhas do equilíbrio indispensável, sem qualquer interferência danosa do irmão humano. Por isso assevera Jesus: "ai daquele homem por quem venha o escândalo!"
Envolvido nos teus afazeres, estudando, trabalhando, orientando ou realizando qualquer outra atividade, faze-te instrumento da paz, deixando que o suave ensino de Jesus Cristo ilumine a tua intimidade, a fim de que manifestando essa harmonia no teu coração, sejas, então, ponte de luz entre a Terra e os Céus, sem incentivar ou alimentar a guerra, nunca mais, mantendo-te sob o jugo do Senhor, que é formoso e que impulsiona à vida Feliz.
Ä Pena de Morte:
"Mancha a vida quem provoca a morte" (Sêneca).
A pena e morte já existia entre os povos primitivos e, originariamente, restringia-se à prática da vingança privada.
A família constituía a única unidade social e o pai, arvorando-se ((pop.) assumindo por deliberação própria (título ou encargo) (De árvore.) em guia e chefe absoluto, exercia ad libitum (loc. adv. À vontade, arbitrariamente. (Do lat.) o "direito" de punir os seus familiares, podendo ordenar a morte por qualquer motivo. Fora do ambiente familiar imperava pura e simplesmente o princípio da vindita (s. f. Vingança; represália; despique; castigo, punição legal. (Do lat. vindicta.) - Olho por olho, dente por dente. Se alguém era assassinado, os parentes da vítima se apressavam em tirar a vida de um parente do assassino. Estabelecia-se, então, um círculo vicioso. Novos homicídios. Novas represálias entre as famílias dos ofensores e dos ofendidos. A morte rondava os lares, ceifando vidas, solapando (v. tr. dir. escravizando; minando.) as bases do edifício social em formação. Procedimento de bárbaros, imprudente e pueril. Incapaz, de resto, de deter a marcha natural da Civilização, de vez que "o homem é um animal social" e não pode viver fora do seu elemento – a Sociedade.
As famílias primitivas foram-se aglomerando em clãs. Do conflito de interesses individuais nasceram as classes sociais e os clãs foram impelidos a arregimentar-se num organismo coletivo – a Nação. O meio nacional, no entanto, não podia prescindir de uma organização política como instrumento para a manutenção da ordem comunitária. Daí o surgimento de um novo elemento – o Estado, que mais não é senão "a própria nação encarada do ponto de vista de uma organização política".
Já não predominava o arbítrio dos chefes grupais, via de regra escolhidos entre os guerreiros ou sacerdotes. O Direito passou a reger as relações humanas, disciplinando preceitos de obediência e estatuindo a aplicação de penalidades.
Mas a pena de morte sobreviveu a todo esse processo evolutivo, no tempo e no espaço.
E foram vítimas do "assassínio legal" - Sócrates, Joana d’Arc, Giordano Bruno, Savanarola...
Sem falar no mais odiável de todos os assassínios: o de Jesus-Cristo.
O código de Hamurabi, promulgado por volta do ano 2000 antes de Cristo (o mais remoto documento legislativo de que se tem notícia), já consignava a pena de morte. Prescreviam-se também as Leis Assírias(1500 a. C) e o Código dos Hititas (meados do século XIV a.C). O código de Manu, datado provavelmente de 1300 ou 800 a.C., cominava a pena capital para as mulheres que não tivessem conduta virtuosa.
Sucederam-se séculos. Transcorreram milênios. Esboroaram-se (v. tr. dir. Reduziram-se a pó; desmoronam; desfizeram-se em pó. (De boroa.) impérios. Libertaram-se os povos oprimidos. Transfigurou-se o panorama geográfico de vastas regiões. As páginas da História encheram-se de eventos sensacionais: a Renascença, pugnando (discutindo acaloradamente; defendendo, sustentando. (Do lat. pugnare.) pelo aprimoramento das artes plásticas e das letras e pela libertação das tendências medievais; a Revolução Industrial, inaugurando a era da tecnologia; os enciclopedistas, procurando consolidar e disseminar a cultura; a Revolução Francesa, pregando Liberdade, Igualdade e Fraternidade; a desintegração do átomo; a Cibernética; a moderna cirurgia dos transplantes de órgãos; a conquista dos espaços cósmicos. Todo um movimento coletivo visando ao progresso e à implantação da Justiça integral.
Todavia, se atualmente há imenso progresso tecnológico e a Ciência a cada passo vem revelando maravilhas nunca dantes suspeitadas, o homem ainda vê pairar sobre a sua cabeça a "a espada de Dâmocles" (Dâmocles - cortesão familiar de Dionísio, o Velho, tirano de siracusa (início do século IV a. C.) Para fazê-lo avaliar a fragilidade do poder dos siracusanos, Dionísio cedeu-lhe seu lugar durante um dia. No meio do banquete que ele presidia, Dâmocles percebeu, suspensa sobre sua cabeça, uma espada presa unicamente por um fio de crina de cavalo. (emprega-se a imagem da "espada de Dâmocles" para designar um perigo permanente.) da penologia vigente aqui e alhures: a pena de morte.
Reza o artigo III da Declaração Universal dos Direitos Homem, proclamada pela ONU, em 10 de dezembro de1948: "todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa".
Trata-se, é certo, apenas de uma recomendação, que não tem força de lei. Mas, se os legisladores e os líderes da Humanidade estivessem cônscios de suas responsabilidades e realmente integrados na Civilização de que tanto se orgulham, nem precisariam de recomendação alguma para assegurar a todos um direito natural – a vida.
Dia virá, contudo em que a pena de morte passará às calendas gregas (momento ou tempo nenhum – pois as calendas não existiam entre os gregos – obs. Calendas – subst. fem. plural (do latim calendae) – primeiro dia do mês romano. Os últimos dias do mês precedente eram designados por seus números antes das calendas).
Incontestavelmente desaparecerá – lê-se em "O Livro dos Espíritos", e a sua supressão assinalará um progresso da Humanidade. Quando os homens estiverem mais esclarecidos, a pena de morte será completamente abolida da Terra. Não mais precisarão os homens de ser julgados pelos homens. Refiro-me a uma época ainda muito distante de vós".
É pena que essa época esteja ainda muito longínqua. Porém a pena de morte será extinta pelos legisladores do futuro – disso não tenhamos dúvidas. Há de prevalecer a Lei de Deus: - Não matarás.
Segundo um velho princípio do Direito Romano, "o fim da pena é a emenda" – o que importa numa condenação da pena capital, de vez que ao criminoso executado não se lhe pode facultar a oportunidade de emendar-se.
- A pena de morte não se apóia em nenhum direito – diz Beccaria.
Em sua obra "Dos delitos e das penas", ensina o eminente criminalista e filósofo italiano:
"para que uma pena seja justa, deve ter apenas o grau de rigor bastante para desviar os homens do crime."
Convidado a pronunciar-se sobre a pena de morte respondeu categoricamente o renomado jurisconsulto brasileiro Clóvis Beviláqua:
"- Sou contra, pelo seu caráter definitivo e pela falibilidade dos julgamentos humanos. A História registra, lamentavelmente, um número considerável de erros judiciários."
Em 1927 foram eletrocutados nos Estados Unidos os emigrantes italianos Nicolau Sacco e Bartolomeu Vanzetti, acusados de assassínio e roubo. Antes da execução, um dos verdadeiros criminosos, Celestino Medeiros, confessou sua culpa e inocentou aqueles dois condenados, mas a "justiça" inflexível, não quis reformular a sentença. Mandou matar os três...
Muito tempo depois morria Carl Chessman numa câmara de gás da Penitenciária de San Quentin, Califórnia, sob a acusação de ser o terrível "bandido da luz vermelha". Posteriormente descobriu-se a verdade: o "bandido da luz vermelha" era o gangster Charles Terranova, conforme declaração de sua própria viúva.
Outro caso: na prisão do Distrito de Colúmbia, Charles Bernstein estava prestes a perder a vida na cadeira elétrica, quando chegou, esbaforido, um mensageiro com a ordem da comutação da pena em prisão perpétua. Teria morrido se o mensageiro houvesse se atrasado alguns minutos. Curioso é que, dois anos após, surgiram provas irrefutáveis de que Bernstein era inocente do crime que lhe fora imputado. Foi posto em liberdade.
Não é raro ouvir dizer que a pena de morte evita o crime, por causar pavor à pessoa que intenta praticá-lo.
Nada menos exato. Em quatro Estados norte-americanos que aboliram a pena de morte, decresceu o número de homicídios. O maior índice de crimes de morte ocorreu precisamente nos Estados em que prevalece a pena capital.
O certo é que, como observa Beccaria, a experiência de todos os séculos prova que o "assassínio legal" nunca deteve celerados no caminho da delinqüência.
Quem está com a razão é o Ministro da Justiça da Bélgica, que afirma:
- Chegamos à conclusão de que a melhor maneira de ensinar a respeitar a vida humana está em nos recusarmos a tirá-la em nome da lei.
Surgiu, com o Cristianismo, a aurora de uma nova era. Jesus veio ensinar e exemplificar a verdadeira Lei de Deus. Pregou o amor, o perdão e a tolerância. A partir de então, não mais se poderia admitir a lei do "olho por olho, dente por dente", que tinha a contrapor-se-lhe a nova lei do "Amai-vos uns aos outros". E quem ama é capaz de sacrificar a própria vida em benefício de outrem, porém jamais de matar o seu semelhante.
Matar criminosos não resolve: eles não morrem.
Seus corpos descerão à sepultura, mas eles, Espíritos imortais, seguiram vivos e ativos, pensando negativamente no ar que respiramos.
E muitos poderão voltar piores do que foram.
O problema da criminalidade alimenta-se do egoísmo social, da exacerbação (s. f. Ato ou efeito de exacerbar; irritação. (Do lat. exacerbatione.) dos conceitos materialistas de vida, da deseducação e do desamparo das multidões ignorantes e carentes, que se revoltam contra os desníveis da fortuna e os exemplos irresponsáveis de corrupção, exibicionismo e desperdício.
Sem que essas causas letais sejam removidas, será inútil e contraproducente o apelo a falsas soluções de violência punitiva, cujo efeito será apenas o agravamento das vinditas e o favorecimento a erros judiciais irreparáveis. Para quem não ama a vida que tem, e odeia os seus semelhantes, a ameaça de morte só faz aguçar-lhe a ferocidade e o desespero.
A função diretiva dos Governos, em todos os níveis de autoridade, não pode ser de implacáveis carrascos vingadores. Cabem-lhes, sim, as responsabilidades de prevenir e combater o crime, conter e recuperar os criminosos, minorar as carências sociais, provendo educação e assistência para todos.
Será ilusão infeliz e criminosa a instituição de um Estado homicida e uma Justiça assassina, para viabilizar a paz social através da crueldade e do desforço.
O "não matarás" continua sendo Lei Divina, cujo descumprimento trará sempre, inevitavelmente, as mais desastrosas conseqüências.
E não adianta matar o corpo de um Espírito imortal, que somente o amor legítimo e fraterno pode transformar para o bem, a felicidade e a paz.
Bibliografia:
Kardec, Allan - O Livro dos Espíritos – Das Leis Morais – Parte Terceira, cap. VI – Lei de Destruição – perguntas 728 à 765.
Kardec, Allan – A Gênese – "O Bem e o Mal" item 20, 23 e 24. No item 9 "São Chegados os Tempos".
Kardec, Allan – Livro – O Céu e o Inferno – itens – 2, 3 e 4 - páginas 20, 21 e 22.
Calligaris, Rodolfo – As Leis Morais – A Lei de Destruição - páginas 91 e 92;
As Expiações Coletivas – Páginas de Espiritismo Cristão páginas 47 à 50.
Denis, Leon –O Problema do Ser, do Destino e da Dor – A Dor – perguntas 371, 372.
Revista – Reformador – FEB – julho, 1979 – página 12 "Pena de Morte" – I (Aureliano Alves Netto).
Revista – Reformador – FEB – agosto, 1979 – páginas 14, 15 – "Pena de Morte" – II (Aureliano Alves Netto).
Revista – Reformador – FEB – setembro, 1979 – página 12 – "Pena de Morte" – III (Aureliano Alves Netto).
Revista – Reformador – FEB – outubro, 1991 – páginas 06, 07, 08 e 09 (Juvanir Borges de Souza).
Apostila da Federação Espírita do Paraná – Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita – Programa I – Unidade III – subunidade 6 – Da Lei de Destruição.
Dicionário Brasileiro Globo Multimídia.
Grande Enciclopédia Larousse Cultural – vol. 6 e 8.
http://introducaodoutrinaespirita.blogspot.com.br/2009/01/lei-da-destruio.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário